Preciso de papel e caneta...

Ao longo dos anos até aqui tenho recebido dos meus amigos e amigas, muitos cartões e bilhetes como forma de expressão do amor de amizade e como gratidão simplesmente pela arte de dar significado e visibilidade à história de nossas relações, não para os outros evidentemente, mas para nós mesmos. Os bilhetes são detalhes, mas fazem uma diferença enorme porque na simplicidade e transparência, criatividade e espontaneidade, revelam segredos do coração, manifestam um jeito carinhoso de cuidarmos do cultivo da amizade e de manifestarmos o nosso amor de gratidão. Sei que Deus gosta muito de agir através dos detalhes e das coisas simples. Às vezes as pessoas queridas costumam me dizer que até desejam me dar um bilhete, mas pensam que seriam esteticamente inferiores aos meus, o que é uma grande bobagem, porque o bilhete não é uma devolução, muito menos uma comparação estética, mas um gesto original de uma pessoa única e que traz uma demonstração de carinho, uma confissão pessoal ou uma única frase de saudade, um pedido de oração ou mesmo de desculpas. O bilhete leva um pedaço ou muito de nós, especialmente porque é manuscrito e nasce de dentro, daquilo que vivemos e sentimos, das nossas alegrias e dores, encontros e esperanças. Quão importante é lembrar ainda que o bilhete parece unir as mãos ao coração. Aquele “simples papel” que antes estivera nas mãos do amigo - mesmo separado por fronteiras -, agora se encontra nas minhas, posso tocá-lo, senti-lo e lê-lo como parte de mim. Assim a criatividade do amor de amizade se faz fascinante. Quantos bilhetes tão originais e surpreendentes me foram presenteados! Às vezes ficava impressionado com os detalhes: eles chegavam em vidros, em pedras, em livros, através de música, poesia, partilhas, tudo fruto das raízes da amizade. O bilhete não esconde o segredo de ter nascido durante a noite, entre as lágrimas, ou na alegria de qualquer hora, porém, sempre timbrado pela necessidade de cuidar daquilo que é tão íntimo ao outro. É uma decisão pessoal, gosto de guardar muito intimamente os bilhetes de meus amigos. Não os tenho todos, evidentemente, mas alguns ainda se conservam não por causa da estética, das palavras bonitas, mas por serem bilhetes de contextos de profunda providência de Deus e, por mais simples que fossem, trouxeram-me grande alento. Lembro de um “bilhete” me mandado por um amigo e que continha as seguintes palavras escritas numa folha de árvore: “Amigo, desprender-se e deixar Deus conduzir é nossa felicidade! Saudade!” A folha se desfez com o tempo, mas as palavras não! É uma pena que escrevamos tão pouco em nossos dias. Os bilhetes caem em desuso, não temos mais tempo, estamos ocupados demais com os “bilhetes da tecnologia”, porém, assim como os livros de papel, penso que eles se conservarão entre os que compreendem que o amor de amizade tem seus detalhes criativos e seus mistérios que transcendem o tempo e as vicissitudes de um mundo solitário, o qual precisa vencer o desafio de relações pouco originais, pra não dizer, superficiais, mudos de palavras e de expressões de amor. Para mim os bilhetes são detalhes, mas detalhes importantes. Estava pensando aqui comigo: faz dias que não escrevo um bilhete! Preciso de papel e caneta...

Ant. Marcos -  janeiro de 2011

O fio de grama...

Pasmo! Foi como fiquei interiormente quando, depois de falar sobre a importância dos pequenos gestos de reconciliação aos meus pequenos alunos, “amigos da Sophia”, um deles me procurou no final da aula e me relatou uma experiência que vivera com seu avô. Ela o havia ofendido por uma situação de raiva, mas logo o procurou para pedir desculpas. O avô a olhou e disse: “Filha, desculpas não se encaixam! Não entendeu? Explico-lhe”. Pegando um fio de grama que estava sob seus pés, partiu-o ao meio e lhe entregou, dizendo: “tente encaixá-lo!” No que ela não conseguiu, ouviu como conclusão: “As pessoas se utilizam do pedido de desculpas como se isso resolvesse nossos erros e o que causamos aos outros. Portanto, desculpas não se encaixam!” Ela se retirou muito confusa com aquela reação do avô, pois, trata-se de uma garota de apenas 10 anos de idade. E, perguntei-lhe: você acreditou naquilo? “Não, tio! Não acreditei e agora, depois de ouvi-lo na aula falar sobre a importância dos pequenos gestos como o pedido de desculpas, mais ainda me convenceu de que meu avô não estava certo”. Fiquei emocionado e passei dias pensando nesse acontecimento! Não tive tempo de falar sobre as possíveis razões que levaram seu avô a tais “afirmações infelizes” para uma neta de 10 anos que está em processo de assimilação dos valores, pois poderia ter causado uma tragédia irreversível, porém, eu sei, nós sabemos que o pedido de desculpas e perdão pode até não ser sincero e não mostrar aquela disposição interna para uma mudança, no entanto, se o outro não é sincero, nós temos a “obrigação” de o ser porque perdoar sinceramente independe se o outro vai assimilar uma mudança de vida ou não. O que não significa omissão na ajuda no processo de conscientização do outro, expondo-lhe, se conveniente e com caridade, a verdade para ajudá-lo a ver as máscaras. O fato é que a “matemática e a fria lógica do fio de grama” não é a lógica do Evangelho, que ama sem cálculo “até o extremo!” Bendita ocasião que me favoreceu um aprendizado inesquecível. Graças a Deus, nós saímos daquela rápida conversa ainda mais convencidos de que “desculpas se encaixam!”.
Ant. Marcos – março de 2011.