Ressignificar as ausências...


Lembro bem de um dia quando uma “menina” me contava em lágrimas sobre os temores que tinha com seu pai. Um pai que não fora próximo, não marcante o suficiente para ter imprimido nela aquela segurança de correr para os seus braços em qualquer época da vida, nas dores e alegrias, encontros e desencontros. O comportamento estranho de seu pai parecia expressar outras intenções, que não eram aquelas de cuidado e confiança. Falava-me das consequências do vício do álcool – ou das drogas - em sua vida e demonstrava-me aquele ar de tristeza, mesmo com as meias palavras que não escondiam o profundo desejo de que as coisas tivessem sido diferentes. Na verdade todos nós, vez por outra, desejamos que certas realidades em nossas vidas pudessem ter tido um desfecho diferente, ou pudéssemos voltar os dias para vivê-los numa outra perspectiva. O fato é que isso não é possível. Não temos “o poder” de atualizar o passado, porém, temos a capacidade de ressignificar esse passado, de modo que o “rio continue correndo”, como diz a espiritualidade do autoconhecimento e da reconciliação com nossa história de vida pessoal. Lembro ainda que, após ouvi-la, senti que sua dor não era pelos problemas ou pelas fraquezas de seu papai, porque todos nós temos nossos limites, porém, sua dor era a do desamor. Não ter o calor do amor dos que mais necessitamos pertos de nós, especialmente nos tempos de ouro da formação da personalidade, é algo doloroso, é mesmo um processo que deixará marcas. Vivi pessoalmente, em parte, essa experiência! Algo em nós futuramente denuncia que trazemos uma “ausência”. Porém, esta ausência nunca será “determinismo” ou tribunal de condenação, sentença de infelicidade, se soubermos conduzi-la para Deus, deixar que sua graça nos ilumine e nos ajude a crescer, ainda que como “dores de parto”, ainda que com perdas, mas perseguindo aquele segredo de João da Cruz: “Põe amor aí onde não tem, e colherás amor!” Os místicos não eram ingênuos, eles sabiam que “ninguém pode dar o que não tem”, mas existe alguém que pode nos dar o que não temos: Deus, com o seu amor que cura, que reata, que reconstrói as muralhas, que junta o que está em pedaços, que reconcilia o passado, que dá sentido ao presente e enche de esperança o futuro, que nos faz compreender que nossa vida - por mais acidentada que seja - não teve o seu “fio de ouro” despedaçado. Um dos filhos de Elisabeth Taylor (uma das maiores atrizes do cinema internacional de todos os tempos, falecida nesta última quarta, 23 de março, com 79 anos), afirmou: “O mundo é melhor por causa de minha mãe”. Muitos de nós gostaríamos de dizer isso com a nossa família, com o pai ou com a mãe, e nem sempre é possível, embora exista uma dimensão de gratidão a eles pelo simples fato de existirem, por serem nossos pais, pois a vida no projeto de Deus nunca é acidente. No entanto, o mundo dessas pessoas pode ser um pouco melhor com a nossa descoberta e decisão de partilhar com eles o perdão e o amor, aquecê-los com o amor que, talvez, não o tenhamos recebido o suficiente, mas que Deus nos ajudou a reencontrá-lo e podemos então dá-lo. Isto é ressignificar as ausências! É ter motivos suficientes para crer que nossa família é a melhor que Deus pensou para nós, não porque seja santa ou pecadora, mas porque marcada pela gratuidade do amor de Deus, portanto, digna também do nosso amor.

Ant. Marcos – Quaresma 2011

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